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vera lucia santos e antonio manuel na ação o corpo é a obra

Vera Lucia Santos com Antonio Manuel. Fonte: Artur Freitas. 

Os corpos são as obras

Por: Guilherme Altmayer e Pablo León de la Barra

Em 1970, na abertura do 19º Salão Nacional de Arte Moderna (MAM-RJ), o artista Antonio Manuel se despiu e desfilou seu corpo nu pelo espaço, para apresentar seu corpo como uma obra que, mesmo não sendo selecionada pelo juri, ficou marcada como protesto contra as ações repressivas da ditadura militar – “um exercício experimental da liberdade”, nas palavras do crítico de arte Mário Pedrosa. Desde então, muitas foram as narrativas criadas em torno de “o corpo é a obra”, porém poucas mencionam que o artista executou a ação ao lado de outro corpo, semi nu: o de uma mulher, negra, de nome Vera Lúcia Santos.

Enquanto isso, do outro lado da rua, a Divisão de Censuras da Diversão Pública (DCDP) proibia explicitamente a participação de travestis em espetáculos e bailes de carnaval, entre outras ações repressivas executadas para garantir a preservação da “moral e bons costumes”, valores reacionários que alicerçam a “família-cristã”. Na literatura, a escritora Cassandra Rios teve 36 de suas obras censuradas sendo duramente perseguida. Na televisão, o programa ‘Denner é um luxo’ foi vetado por ser, segundo documento oficial, “tóxico para a juventude e que falta firmeza homérica em sua ausência total de masculinidade”.

Desde então, muita coisa mudou, mas nem tanto assim. Neste encontro estão presentes corpos sobre os quais regimes ditatoriais nunca deixaram de incidir, em diferentes medidas e desmesuras. Ditaduras que ganham novas formas, acobertadas pela falácia de uma democracia que serve ao patriarcado branco. Corpos atravessados por práticas normativas de uma sociedade classista, racista, patriarcal, machista, homolesbobitransfóbica que insiste em controlar nossos afetos, bucetas e cus. 

Assim sendo, este encontro propõe um diálogo entre algumas propostas dos anos 1970 e 1980 e uma geração de artistas e ativistas no Rio de Janeiro de hoje, trabalhando e repensando a ideia dos corpos-obra e obras-corpo como ferramenta política para desestabilizar normas e discursos hegemônicos. O título da exposição, que pluraliza o nome da obra a partir da qual esse debate é proposto, convoca a pensar em todos os corpos invisibilizados pela história, incluindo os muitos que não estão aqui presentes ou representados, pela história como ela nos foi contada. 

Um chamamento à navegação por entre-lugares de corpos nus, cronologias de liberdade, jornais, zines, canais de YouTube, lambe-lambes, reforçadores de unhas, manifestos, pinturas, faixas e cartazes, colares, pós-pornografia, cordéis, práticas do corpo, quadrilha junina, técnicas de autodefesa, práticas de naturismo, pornopiratarias, perfomatividades e troca de afetos.

Por meio de proposições que nos convocam a pensar dissidências como potências representativas de resistências estéticas – enquanto movimentos de (re)fazer a si próprix, a um só tempo singular e múltiplo – passados e futuros se fazem presentes, em propostas polimórficas que confrontam e violam discursos normativos como ferramenta descolonizadora dos próprios corpos: ações micropolíticas de configuração de subjetividades transviadas.
Depressa, por favor, é tarde!

English version:

In 1970, at the opening of the 19th Modern Art National Salon at the Museum of Modern Art, MAM-RJ, the artist Antonio Manuel, undressed and catwalked naked through the space, presenting his own body as an art piece. Even though he was not selected by the jury, it remained as a protest against repressive actions of the military dictatorship – “an experimental exercise of freedom”, according to art critic Mário Pedrosa. Since then, many were the narratives created around “the body is the piece” – although very few of them mention that the artist performed side by side with another semi nude body: that of Vera Lúcia Santos, a black woman.

Meanwhile, across the street, the Public Entertainment Censorship Division,
explicitly prohibited the participation of transvestites in theatre performances and carnival balls, amongst other repressive actions which were executed in order to guarantee the preservation of moral and
good customs – reactionary values that are the foundation of the “christian Family”. At the same time, writer Cassandra Rios, had thirty six of her books censored and she was severely persecuted. The TV show ‘Denner é
um luxo’ (“Denner is a lux”) was cancelled because, according to an oficial document – “it is toxic for the youth and lacks strength due to total absence of masculinity.”

Since then, a lot has evolved, but not so in many cases. In this encounter, we gather bodies that are consistently controlled by a dictatorial regime that never ceased to exist. Dictatorships that gain new forms, protected by the fallacy of a democracy that serves the white patriarchy. Bodies crossed
by normative practices of a class-ridden, racial, patriarcal, chauvinistic, homo-lesbo-bi-trans-phobic society that insists in controlling our affections, pussies and arses.

Therefore, this meeting proposes a dialogue between some propositions of the 1970’s and 80’s and a generation of artists and activists in Rio de Janeiro today – working upon and re-thinking the idea of body- art pieces
and art pieces-body as a political tool to destabilize norms and hegemonic discourses. The title of the exhibition, which pluralizes the name of the art piece to bring about this debate, provokes us to set an eye all the bodies made invisible by history – including those bodies not here represented by the way history is told to us.

An invitation for navigation among naked bodies, chronologies of freedom, newspapers, magazines, YouTube channels, street posters, nail boosters, manifests, paintings, banners and posters, necklaces, post-pornographies
piracy, cordeis, body practices, self-defense techniques, naturism practices, performances and encounters for affection exchanges.

Through propositions that invokes the thought of dissent as powerful representations of aesthetic resistance – within a movement of (re)visiting oneself at the same time singularly and collectively – past and future make
themselves present, in polimorphic proposals that confront and violate normative speeches as a decolonizing tool of one’s body: micro political actions of configuration of astray subjectivities.

Hurry up, please, it’s already late!